domingo, 8 de julho de 2007

Congo via Paraty


O professor e articulista Luiz Felipe de Alencastro foi o principal palestrante da mesa O Trato das Trevas, a segunda deste último dia de Flip. O tema da discussão foi o aniversário de 150 anos de Joseph Conrad, autor do livro O Coração das Trevas, que baseou o filme Apocalypse Now (foto), de Francis Ford Coppola.

Entre muitas discussões interessantes, a conversa entre o autor e o público foi parar na exteriorização da violência, identificada no livro como o segundo processo de colonização dos europeus, desta vez rumo à África e Ásia. Traçando um paralelo com o Brasil, Alencastro disse que essa exteriorização não aconteceu no País. "O que vimos aqui foi uma interiorização, que está resultando e saindo pelo ladrão na violência social que vemos hoje", afirmou.

Luiz Felipe de Alencastro também citou uma declaração do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, a respeito da violência desenfreada nos morros da cidade. "Ninguém aguenta mais isso. Nós temos uma bifurcação que eu enxergo bem clara: ou é o caminho da civilização ou é o da selvageria".

O professor completou: "Para o Brasil, todas as soluções são ruins a curto prazo, só há solução a médio e longo prazo, mas nesse meio tempo a gente tem que gerir isso. Quanto é esse meio tempo? Dez anos? Pode ser a vida dos nossos filhos".

O LIVRO
O Coração das Trevas foi publicado de fevereiro a abril de 1899, num jornal inglês, e lançado em livro em 1900, nove anos depois da viagem de Conrad pelo Congo, como militar da Marinha inglesa.

Joseph Conrad viajou pelo rio Congo durante cinco meses e entrou em contato com a barbárie promovida pelos belgas no país africano. O personagem principal, Kurtz, é um funcionário de uma companhia de colonização que, vivendo no meio do mato e sem ter a quem prestar contas, enlouquece e deixa a selvageria imperar.

A idéia de civilização que os europeus usavam para disfarçar a pilhagem promovida nas colônias é o principal foco do livro. "Mas Conrad já vê o esgotamento do uso da civilização como justificativa, coisa que a gente só comprovou na prática muitos anos depois", defende Alencastro.

Arandir, Selminha e cia no palco da Flip

Platéia lotada, público se esparramando pelas escadas, todo mundo queria ver a leitura dramática de Um Beijo no Asfalto, uma das mais emblemáticas peças de Nelson Rodrigues.

A diretora Bia Lessa preparou os autores - sim, porque autores que participaram da Flip 2007 ou que foram convidados pela organização da Festa viveram os tipos criados pelo dramaturgo pernambucano para a sua tragédia carioca em três atos.

Uma foto de Miguel Rio Branco mostrando uma cadela atropelada servia de cenário à Tenda dos Autores. No canto esquerdo do palco, o trio Os ritmistas, formado por três percussionistas, executava uma espécie de trilha sonora ao vivo, fazendo também interferências nas falas dos personagens e recitando frases de Nelson. O músico Jorge Mautner, escalado para a peça, também ajudou com seu famoso violino.

Mautner vive o delegado Cunha que, junto com o jornalista Amado Ribeiro (personificado em toda a sua canalhice por um excelente Silviano Santiago), publicam a bombástica manchete Um Beijo no Asfalto: um homem atropelado por um lotação cai no meio da rua da Carioca e pede um beijo a Arandir, que viu o acidente.

Pelas mãos de Cunha e Ribeiro, a história se transforma: na verdade, atropelado e testemunha têm um caso e o que se viu foi um beijo homossexual. Além disso, não foi um mero atropelamento. Arandir teria empurrado o amante em via pública, era homicídio, como não?

A história se desenrola no trabalho de Arandir (Nelson Motta), que passa a ser alvo de piadinhas dos colegas, e também na casa dele, onde a mulher (Flora Süssekind), a cunhada (Verônica Stigger) e o sogro (Sérgio Sant’Anna) ora crêem, ora não crêem na versão publicada pelo jornal.

Em paralelo a toda confusão, como convém a um bom Nelson Rodrigues, há um interesse entre pai e filha, cunhada e cunhado... Mas a revelação fica para o final - e não sou eu que vou contar para vocês.

O bom de uma feira de literatura é isso: a vontade - e a necessidade - de comprar livros cresce exponencialmente. Pois então: comprem Um Beijo no Asfalto.

Programação do domingo - Completa

Mesa 20 – 10h
DE MACONDO A McCONDO - Ignacio Padilla e Rodrigo Fresán
No quadragésimo aniversário da publicação do mais famoso romance latino-americano, Cem anos de solidão, duas vozes brilhantes da literatura mundial discutem os novos caminhos que se abrem para a ficção do continente. Rodrigo Fresán é o autor de Jardins de Kensington, um romance caleidoscópico que trafega entre a Londres vitoriana e a psicodelia dos anos 1960. O romance Amphytrion, de Ignacio Padilla, é ambientado na Alemanha entreguerras. Esses escritores idiossincráticos, iconoclastas e cosmopolitas mostrarão que já estamos muito longe de Macondo.

Mesa 18 – 11h45
O TRATO NAS TREVAS - Luiz Felipe de Alencastro
Para comemorar os 150 anos do nascimento do grande escritor Joseph Conrad (1857-1924), o historiador Luiz Felipe de Alencastro explora o Coração das trevas, romance publicado em 1900 que conduz seu herói do Tâmisa ao Congo e, assim, ao coração do colonialismo europeu. Ao fazê-lo, Alencastro retorna a um espaço que conhece como poucos: o Oceano Atlântico que serviu de berço ao Brasil escravista.

Mesa 19 – 15h
SOBRE MENINOS E LOBOS - Ishmael Beah e Paulo Lins
Dos lugares mais imprevisíveis pode brotar uma literatura vibrante. Ishmael Beah e Paulo Lins viveram em ambientes tomados de brutalidade e desespero — e resistiram, contando então suas histórias. As memórias de Beah, Muito longe de casa, são um relato fascinante de sua vida como criança-soldado em Serra Leoa e do modo como se libertou. Cidade de Deus, a obra de Paulo Lins que deu origem ao filme esplendidamente adaptado por Fernando Meirelles, romanceia a experiência de crescer numa favela assolada pelo crime. Dois sobreviventes falam do poder redentor das palavras.

Mesa 17 – 17h
SEM DRAMAS - Bosco Brasil e Mário Bortolotto
Nos anos 1990, enquanto críticos choramingavam a falta de bons jovens dramaturgos brasileiros e diretores reclamavam da falta de patrocinadores e palcos para trabalhar, alguns novos talentos arregaçaram mangas e enfrentaram as duas questões. Escreveram suas peças, montaram suas companhias, arrumaram espaços alternativos para encená-las. Deu certo. Mário Bortolotto e Bosco Brasil são a prova. Os dois ganharam os principais prêmios do país, conquistaram públicos cativos e continuam desbravando a trilha aberta por Nelson Rodrigues. No palco da FLIP debaterão para onde leva esse caminho.

Mesa 21 – 19h
LITERATURA DE ESTIMAÇÃO - Vários autores
Escritores da FLIP 2007 lerão trechos de obras que levariam para uma ilha deserta.

Parada obrigatória!


Nem o apagão, ontem à noite, diminuiu o movimento na barraquinha do pastel. Aliás, barraquinha é apenas modo de falar. Sim, porque um local que vende 1500 pastéis por dia, com 13 sabores fixos, não é uma barraquinha em seu sentido pejorativo. A palavra uso por carinho. As pessoas que fazem o atendimento são atenciosas sem que sejam grudentas. Gentis sem bajulação. É a glória!

Desde que chegamos à Flip, comentávamos o movimento na Pastelonni - nome do estabelecimento. Joffre Rodrigues, filho mais velho de Nelson Rodrigues, pôde ser visto inúmeras vezes sentado a uma das mesas. Aproveitamos, claro, para entrevistá-lo antes da apresentação de seu filme Vestido de Noiva sobre o qual já falamos antes.

Voltemos à Pastelonni. O nome é o sobrenome do Sr. Roberto. Ele é de Mogi das Cruzes, São Paulo, mas mora com a família em Paraty há muitos anos. Nos últimos cinco, ele se dedica à loja que montou na descida da Ponte do Pontal, a Ponte Velha como chamam por aqui. Ontem à noite, depois da explosão do transformador de um dos postes da Rua do Commercio e que deixou a cidade um breu quase que completo, resolvemos ver porque a 'barraquinha do pastel' vive sempre lo-ta-da. Eu escolhi um de calabresa e Blah um chamado Bauru, que leva queijo, presunto, tomate, azeitona e oregáno. Achamos a explicação: 30 cm de delírio. Massa fina e recheio abundante. Mais uma das deliciosas surpresas da Flip.

Lágrimas no cinema

Estava programada para ontem a exibição do filme Vestido de Noiva, de Joffre Rodrigues, baseado na peça homônima do pai dele, Nelson, o homenageado da Flip.

A sessão começou pontualmente às 17h40, com a apresentação do making of da produção. Marília Pêra, Marcos Winter, Letícia Sabatella e Simone Spoladore, os principais nomes do elenco, comentaram detalhes das gravações, do roteiro e da importância de transpor a peça para o cinema.

Ao término do making of, um emocionado Joffre se levantou da platéia e pediu um microfone, indo à frente do auditório da Casa da Cultura de Paraty. Entre lágrimas, ele disse: "Fiquei muito emocionado de rever essas imagens, me lembra o momento mágico que foi fazer esse filme, foi a melhor equipe que tive em 40 anos de trabalho. Espero que, assistindo a esse filme, vocês entendam tudo o que meu pai quis dizer na vida dele".

Aplausos gerais - e Ruy Castro estava ao meu lado! :)

Mas a queda de energia interrompeu a sessão no meio... Agora preciso saber como termina a história de Madame Clessi, Pedro, Lúcia e Alaíde. Locadora já!

Satisfação


Uma sobrecarga na rede elétrica provocou a explosão de um transformador, ontem à noite, deixando Paraty às escuras. Somente nas tendas principais da Flip havia luz, por causa dos geradores.

Por isso, não pudemos atualizar o blog... Mas cá estamos outra vez, neste último dia de Festa.